FATOS DO BRASIL IMPÉRIO

Bem vindo ao blog FATOS DO BRASIL IMPÉRIO. Aqui são narrados fatos da época do Império, geralmente pouco conhecidos, extraídos do livro REVIVENDO O BRASIL-IMPÉRIO, que publiquei sob o pseudônimo Leopoldo Bibiano Xavier. Leitura muito útil, que dá uma visão realista do modo como o Imperador Pedro II conduzia os destinos do País.
Você está convidado a visitar também os sites referentes ao meu livro mais recente, A VOLTA AO MUNDO DA NOBREZA, que contém mais de 1.700 fatos mostrando a atuação da nobreza em diversos países e épocas:
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Leon Beaugeste

29.5.08

06 - A CARIDADE NO TRONO BRASILEIRO

A Família Imperial utiliza grande parte da dotação para obras de caridade

Os pedidos de esmolas à Família Imperial eram constantes e numerosos. Muitos solicitantes não reapareciam na varanda de São Cristóvão, porque tinham ordem de ir direto à Mordomia, onde eram atendidos. Eram os pensionistas do “imperial bolsinho”. A Imperatriz tinha a fama de nunca deixar um pedido sem a sua esmola. Deduzidas as despesas da casa, que não eram grandes, todo o resto da dotação se escoava dessa maneira. Quando precisou de dinheiro para socorrer o irmão, a Imperatriz teve de recorrer a um empréstimo.

Na sua meninice, D. Pedro II foi sempre uma criança dócil, pacata, extremosa e de costumes exemplares. Aquelas virtudes de bondade, que foram as virtudes maiores do Monarca, revelou-as desde pequenino. Ainda de calças curtas, na sua extrema infância, quando saía a passeio, fazia questão de que lhe dessem muito dinheiro em moedas de prata. Ao voltar, trazia sempre os bolsinhos vazios. O dinheiro, distribuía-o todo aos soldados e aos pobres pelas ruas. Nunca lhe sobrava um vintém da mesada de 12 mil réis, que recebia do Tesouro da Casa Imperial.

Quando o Imperador voltou ao Brasil em 1877, grandes festejos tinham sido planejados para a sua chegada. Mas a satisfação de retornar ao lar foi diminuída pelas más notícias do Ceará, onde a fome rugia após prolongada seca. Dom Pedro cancelou as celebrações oficiais, dizendo que os fundos reservados para esse fim deviam ser empregados no trabalho de alívio aos flagelados. Apesar dos grandes gastos que tivera na viagem, ele destinou parte da sua dotação para a mesma finalidade. Durante uma reunião do Gabinete, o ministro da Fazenda informou:
— Majestade, não temos mais condições de socorrer o Ceará. Não há mais dinheiro no Tesouro.
O Imperador baixou a cabeça durante alguns instantes, e depois disse com firmeza:
— Se não há mais dinheiro, vamos vender as jóias da Coroa. Não quero que um só cearense morra de fome por falta de recursos.

No verão de 1855, percorreu o mundo uma epidemia de cólera-morbus, irrompendo no Rio com grande violência. O pânico logo se apoderou das famílias, que fugiram apavoradas para o interior, para as fazendas, para as casas dos amigos, para as cidades mais próximas do Rio. A fim de trazer a calma à capital, o Imperador resolveu conservar-se com a família em São Cristóvão, adiando a sua habitual subida para Petrópolis. Comentando os fatos, afirmou na ocasião o “Jornal do Comércio”:
“Os fluminenses viram com bem explicável susto, mas ao mesmo tempo com ufania, o Imperador permanecer impávido e firme, nos dias mais terríveis da epidemia, em São Cristóvão, um dos pontos mais fulminados pela peste. Viram-no conservar-se sempre na sua capital, no meio do teatro da desolação. Mais que tudo isso, viram o Imperador sair do seu palácio e fazer parar o seu carro à porta dos hospitais, e penetrando nesses focos de epidemia, aproximar-se dos leitos dos coléricos, falar a todos eles, robustecer a coragem dos fortes, inspirar valor e ânimo aos fracos e encher de esperanças, de fé e de gratidão os corações dos míseros doentes. A cada grito de alarma, respondia de pronto uma providência diligente e proveitosa”.
Com uma atividade desdobrada, mostrou-se incansável nas visitas aos hospitais, na assistência aos coléricos, nas providências de toda sorte que podiam minorar ou fazer cessar os padecimentos dos doentes.
De seu bolso particular, deu cerca de quinze contos de réis para a assistência aos necessitados. Acompanhavam-no várias senhoras da corte, que ajudavam a Imperatriz na instalação de hospitais, na confecção de roupas, na distribuição de alimentos e em outras obras de assistência.

Reconhecendo os inúmeros benefícios custeados pela Família Imperial, o Governo Provisório decretou após a proclamação da República: “Os necessitados, enfermos, viúvas e órfãos pensionados pelo Imperador deposto continuarão a perceber o mesmo subsídio, enquanto durar a respeito de cada um a indigência, a moléstia, a viuvez ou a menoridade em que se acham”.


Se o Imperador pudesse, os voluntários da Pátria não teriam do que se queixar

Ninguém prezou os combatentes da guerra do Paraguai mais do que o Imperador. Não sabia só a história da guerra, conhecia também a biografia do soldado. E o seu grande coração foi sempre tão fiel quanto a sua extraordinária memória. A maior garantia de quem lhe pedia favor ou justiça era a alegação de que fora voluntário. Para estes, estabeleceu certos e determinados empregos. E, nestes casos, a melhor carta de recomendação era a fé de ofício; a cicatriz, o mais valioso empenho.

Passeando a pé no Largo do Paço, o Imperador encontrou um velho mendigo negro, que lhe estendeu a mão. O homem lamentava-se:
— Quem pede é um servidor da Pátria! Derramei sangue no Paraguai, e o Governo me deixa na miséria.
O preto não conhecia D. Pedro, que se aproximou e perguntou-lhe:
— Você foi voluntário da Pátria?
— Sim, senhor. Podeis comprová-lo por estas feridas. Mas o Governo não se incomoda com isso.
— E você acharia o Imperador capaz de deixar ao desamparo os servidores da Pátria?
— Se o senhor pergunta isso, é porque não conhece o nosso Imperador. Ele é homem de grande coração. Se ele pudesse, todos nós, que estivemos no Paraguai, não teríamos do que nos queixar.
Dom Pedro deixou uma moeda nas mãos do preto e afastou-se. No dia seguinte mandou acomodá-lo em um dos quartos da criadagem do Palácio, onde ele permaneceu até morrer.

Foi na viagem de regresso ao Rio de Janeiro que sucedeu ao filho do capitão Gomes Carneiro o desastre que aproximou do Imperador o futuro general.
A bordo do “Manaus”, na ocasião do desembarque diante do Arsenal de Guerra, uma criança corria pelo convés. Era o momento em que a corrente do leme, com um estertor de ferro desembrulhado, trepidava, sacudida pela manobra. Um grito lancinante horrorizou os passageiros. Carneiro precipitou-se em procura do filho de três anos. E o oficial, que não pestanejara no brejal de Estero Bellaco e em outras batalhas na Guerra do Paraguai, cambaleou defronte do seu pequenino Mário, cujas pernas a engrenagem esmagara. Um colega de armas, o capitão Pego Júnior, levantou nos braços o menino arquejante. As pernas, trituradas, pendiam-lhe do corpinho tenro, como dois trapos sangrentos. Carneiro atirou-se a uma lancha, com o amigo, para levar à Santa Casa, ali perto, o filho inanimado.
Os cirurgiões mais ilustres se reuniram, deliberaram e executaram a operação. A administração do hospital teve ordem de reservar o melhor aposento e destacar os melhores enfermeiros para o entezinho mortalmente mutilado. Carneiro não indagou da procedência daquela ordem. Ficou à cabeceira de Mário, recolhendo-lhe um por um os gemidos, na ternura de sua vigília. No dia imediato, a porta se abriu para um homem corpulento e alto, cuja barba de neve dava à face corada e lisa um ar jovial de velhice bondosa. Carneiro perfilou-se, fazendo soar os calcanhares. Os seus olhos pardos reconheceram o visitante. O Brasil todo o reconheceria.
— Majestade...
O Imperador debruçou-se sobre o menino, passou-lhe pela testa lívida a mão de Habsburgo, afagou-lhe o rosto febril e sussurrou uma frase compassiva. Encarou depois o capitão, e disse-lhe:
— A saúde deste menino me interessa. Quero dar-lhe os aparelhos com que há de andar. Faço questão de custear-lhe todo o tratamento. Não me agradeça... Já sei. O senhor é um soldado de Uruguaiana e de Itororó. Bem... Voltarei para rever o menino.
E baixou os olhos da face pálida do capitão Gomes Carneiro, molhada pelas lágrimas que silenciosamente corriam.


Mesmo com sacrifícios pessoais, a ajuda imperial a quem precisa

Luiz Fignier dirigiu-se a D. Pedro II, pedindo-lhe auxílio para editar um dos seus últimos trabalhos de divulgação. Saindo da audiência, foi o Imperador entender-se com o tesoureiro da Casa Imperial, que lhe informou serem escassos os recursos, tornando-se impossível atender o pedido.
— Não faz mal. Comprimiremos as nossas despesas. O Fignier, coitado, precisa ser ajudado.
D. Pedro não sabia negar em tais casos.

No exílio, D. Pedro II teve notícia da morte do escritor Alphonse Karr, seu amigo. Logo depois, o jornal anunciava o leilão de sua biblioteca. Chamou então o seu médico Mota Maia, e perguntou:
— Quanto pode custar essa biblioteca? O Karr não era um erudito, nem um bibliófilo. Deve ser uma biblioteca escolhida e modesta. Quero adquiri-la.
As finanças do Imperador, no momento, estavam precárias, mas Mota Maia não podia assustá-lo, por causa da doença. Foi para Nice, arrematou a biblioteca por 8 mil francos e entregou-a à viúva de Alphonse Karr, pois esta era a intenção evidente de D. Pedro. Em agradecimento, a viúva ofereceu ao seu benfeitor uma bela coleção de obras de Santa Tereza de Jesus, com o que também homenageava a Imperatriz Teresa Cristina, falecida havia pouco.

Em Cannes, meses após a morte de D. Teresa Cristina, o ex-Imperador enlutado lia sentado junto a uma larga mesa atulhada de livros e jornais. O Conde de Mota Maia entrou e anunciou:
— Senhor, uma boa notícia do Brasil.
— Boa notícia do Brasil?... Diga depressa.
— Recebi uma ordem, mediante a qual será entregue a Vossa Majestade certa quantia. É a primeira que de lá vem, e chega muito a propósito.
Abrindo uma gaveta, D. Pedro tirou volumoso maço de papéis, contendo pedidos de esmolas, auxílios, subvenções. Ato contínuo, tomando um lápis, pôs-se a despachá-los, destinando 100 francos para uma, 500 francos para outra, e assim por diante.
Quando o Imperador acabou, o Conde empunhou um lápis e somou os números anotados por D. Pedro:
— Cinco mil e trezentos francos.
— Pouca coisa.
— Mas a ordem do Brasil representa apenas quatro mil.
— Devolva-me então os papéis, que retificarei os números.
— Mas Vossa Majestade não se recorda de que estamos quase sem recursos, devendo ao hotel, e constrangidos a fazer economias?
— Já sei, já sei! Mas ignorava que não pudesse atender a alguns pobres que me estendem a mão.
— Não pode, meu Senhor, não pode. Perdoe-me que o declare com franqueza: Vossa Majestade está obrigado a coibir-se nas esmolas. Nossa situação não é favorável, é má. Há de melhorar, acredito. Mas, por ora, cumpre-nos cortar as despesas não imprescindíveis. O dinheiro enviado do Brasil amortizará apenas a conta do hotel.
D. Pedro levantou-se lentamente e começou a passear pelo aposento. Por fim, soltou um suspiro, sentou-se e retomou o livro:
— Vá, Sr. Mota Maia. Receba o dinheiro e salde as nossas contas. Se, por acaso, sobrar alguma coisa, execute os despachos possíveis... Os mais módicos... Os dos mais necessitados.


Os benefícios do Imperador não são meros contratos interesseiros

Após o golpe de 15 de novembro, quando a Família Imperial já estava a bordo para a viagem ao exílio, começaram a chegar os jornais do dia. Lendo o nome de um dos revolucionários, que recebera grandes benefícios do Imperador, D. Teresa Cristina desabafou:
— Fulano! Quem diria!
Sereno e imperturbável, o Imperador respondeu:
— Senhora, se quando fazemos um benefício fosse já contando com a gratidão do beneficiado, então o ato perderia a sua nota principal, passando a ser um contrato interesseiro.

Viajando pelo interior do País, numa região onde não havia estalagens, o Imperador hospedou-se na casa de um homem bom, muito estimado, mas cujos negócios corriam mal. Era obrigado a pagar uma grande quantia, mas estava completamente impossibilitado. Uma pessoa desconhecida do proprietário deu esta informação ao Imperador. Quando ele partiu, deixou o recibo devidamente quitado e assinado pelo credor, numa gaveta da cômoda do quarto que ocupara. Ao se despedir, avisou:
— O senhor se esqueceu de trancar um papel importante que eu vi na gaveta da mesa do meu quarto. Cuidado para não perdê-lo.

Publicava-se no Rio de Janeiro uma folha diária intitulada “A República”, no decênio de 1870, sob a direção política de Salvador de Mendonça, ardoroso propagandista contrário à Monarquia. Falecendo a esposa deste, em ocasião de dificuldades materiais daquela empresa jornalística, nenhum dos seus amigos e companheiros de redação podia auxiliá-lo com a quantia necessária para as despesas do enterro. O Imperador ordenou ao seu mordomo que, com o maior sigilo, fizesse imediatamente chegar às mãos do jornalista a quantia de dois contos de réis, para as cerimônias fúnebres.
Por mais persistentes que fossem as indagações do interessado, jamais lhe passou pela cabeça o nome do seu real benfeitor. Tanto assim que ele continuou a atacar o Império e o seu Imperador. Algum tempo depois, quando já ninguém mais se lembrava disso, o beneficiado soube da verdade. Correu à Quinta de São Cristóvão, para agradecer a generosidade do Imperador. Vendo a inutilidade de negar a autoria do benefício, D. Pedro manifestou a sua simpatia, dizendo ao jornalista que poderia contar com o seu auxílio sempre que se visse em dificuldades de ordem material. O jornalista declarou então que fizera o propósito de nunca mais escrever uma linha sobre assuntos políticos, desde o momento em que tomara conhecimento do nome do seu magnânimo protetor.

Um professor acadêmico foi procurar o Imperador, dizendo-se sob a dolorosa ameaça de penhora, e pediu-lhe 5 contos de réis, a fim de evitar esse vexame. Foi atendido.
No dia seguinte, por ocasião da estréia de uma famosa companhia lírica, foi visto o dito professor, com toda a família, ocupando uma frisa bem em frente ao camarote imperial. Nogueira da Gama, mordomo do Imperador, várias vezes tocou no assunto, e não conseguiu ouvir dele sequer uma queixa.

Um repórter que participava de associações abolicionistas pediu ao Imperador uma quantia para libertar escravos. Foi dada a ordem para lhe ser entregue a quantia, sem precisar de recibo, mas a mordomo preferiu documentar-se.
Posteriormente, em uma discussão pela imprensa, o tal repórter declarou nunca ter ido ao Palácio, nem ter precisado do Imperador. No dia seguinte, um jornal publicava uma cópia autêntica do recibo assinado pelo repórter, cedido pelo mordomo da Casa Imperial. D. Pedro chamou às falas... o mordomo. Pois este havia exigido o recibo, quando lhe recomendara não pedi-lo.
— Mas, meu senhor, se eu não exigisse o recibo, pois sabia com quem lidava, todo o mundo acreditaria que esse senhor jamais procurara Vossa Majestade, e jamais recebera coisa alguma.
— Melhor seria. Preferia que não se soubesse. Além do mais, desobedeceste-me. O que faço na minha Casa não é para que o público saiba.

Em 1891, o Visconde de Taunay publicou no “Jornal do Comércio” um artigo, no qual perguntava: “De que acusam a Monarquia? Alguma vez ficou ela indiferente, alheia às mínimas dores da Pátria, inerte ante as suas aflições? Alguma vez representou ela a prodigalidade e o gozo, o parasitismo, a locupletação e o luxo, na diminuta dotação que recebia toda a Família Imperial? E que soma fabulosa, inimaginável, seria necessária para pagar e retribuir a paz e a tranqüilidade deste imenso Brasil desde 1840, a dignidade do seu nome, a sua honorabilidade no conceito de todas as nações do mundo, o respeito que, sem contestação, merece de todos?”

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