FATOS DO BRASIL IMPÉRIO

Bem vindo ao blog FATOS DO BRASIL IMPÉRIO. Aqui são narrados fatos da época do Império, geralmente pouco conhecidos, extraídos do livro REVIVENDO O BRASIL-IMPÉRIO, que publiquei sob o pseudônimo Leopoldo Bibiano Xavier. Leitura muito útil, que dá uma visão realista do modo como o Imperador Pedro II conduzia os destinos do País.
Você está convidado a visitar também os sites referentes ao meu livro mais recente, A VOLTA AO MUNDO DA NOBREZA, que contém mais de 1.700 fatos mostrando a atuação da nobreza em diversos países e épocas:
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Leon Beaugeste

26.5.08

05 - O IMPERADOR NA INTIMIDADE

No recesso do lar, a vida do Imperador

D. Pedro II era sempre afável. A escritora Adelaide Celliez comenta sobre ele: “Nunca da sua boca se ouviu sair uma frase ofensiva, uma palavra áspera, nada que pudesse ferir um coração, ou o amor próprio. Sempre a mesma cordialidade, a mesma polidez, a mesma indulgência, e sempre a mesma vigilância e atividade do chefe de família aplicado à direção do Império constitucional”.

As princesas D. Januária e D. Francisca, irmãs de D. Pedro II, gostavam de cozinhar, quando crianças, mas faziam-no às escondidas. O irmão estranhava a constante falta de apetite das princesas, e pôs-se a espreitá-las, até descobrir que se alimentavam com os pratos que elas mesmas preparavam. Daí em diante não puderam evitar que o imperial irmão participasse da sua mesa clandestina.

Quando já velho, frei Pedro de Santa Mariana, preceptor de D. Pedro II na infância e adolescência, soube que o Imperador tinha ido ao teatro sem a Imperatriz, que ficara em Petrópolis. De madrugada, subiu as escadas e foi dizer ao Imperador:
— Venho pedir-vos um favor.
— Qual é?
— Vossa Majestade não vá mais ao teatro sem a Imperatriz. Fica muito feio.
O Imperador atendeu o pedido do seu estimado mestre.

Dom Pedro de Saxe-Coburgo, neto de D. Pedro II, foi certa vez a um baile na casa de uma baronesa em Rio Comprido. O Imperador notou que ele saíra em trajes de baile, compreendeu tudo, e à hora de recolher-se, em vez de ir para os seus aposentos, foi deitar-se na cama do neto, permanecendo ali a ler, até que ele finalmente chegou.
O jovem príncipe, ao entrar, muito satisfeito, recuou assustado ante a inesperada aparição daquele vulto querido estendido no seu próprio leito, a ler serenamente o Dom Quixote.
— Vovô?!...
— Tranqüiliza-te, meu filho, que sou eu. Uma cama de rapaz solteiro não deve ser abandonada durante a noite inteira. Vi-a tão solitária, e vim fazer-lhe companhia. Peço-te apenas que não me obrigues a repetir estas noitadas. Os velhos não devem também alterar os seus hábitos, e só tu me obrigarias a fazer isso.

A um cientista do Rio da Prata, perguntou D. Pedro em que se ocupara mais recentemente, e este lhe respondeu que redigia uma obra, em fase adiantada. Manifestando o desejo de lê-la, desculpou-se o escritor:
— Senhor, há capítulos que eu não desejaria que fossem vistos antes de minha morte.
— Podem-se conciliar os desejos de ambos. Confie-me o texto, indicando quais os capítulos que eu não devo ler, e eu verei o resto.
Foram-lhe confiados os originais da forma pedida, e no dia seguinte D. Pedro recomendou ao seu camarista que os lesse em voz alta, saltando os capítulos vedados.


Com os homens de Estado, um trato ameno e firme

O general Osório ocupava a pasta da Guerra. Em um dos despachos coletivos, o Imperador, minado pelas moléstias e pela idade, começou a cochilar, e adormeceu na presença dos seus ministros. Estes se entreolharam, numa consulta silenciosa. Que fazer, em tal situação? Irem-se embora? Seria uma desconsideração. Chamá-lo? Seria um desrespeito. Osório teve uma idéia. Desafivelou o cinturão e, como se fosse inadvertidamente, deixou cair a espada ao chão, provocando considerável barulho. Despertando, o Monarca logo se deu conta do que era, e brincou:
— Certamente, Sr. General, a sua espada não caía assim no Paraguai.
— Absolutamente, Majestade. Mesmo porque, no Paraguai, não se dormia!

D. Pedro II tinha indissimulável aversão à bajulação. Um dos seus camaristas, de índole subserviente, desejava entrar para a política, e apareceu como candidato de um dos partidos a uma cadeira no Senado. Apesar de votado em primeiro lugar, foi preterido na escolha pelo Monarca. Três vezes veio na lista tríplice, e três vezes foi esquecido. Ressentido, o camarista indagou de Sua Majestade a razão de tantas preterições.
— Não tenho queixas contra o senhor. É que são tão importantes os serviços que me presta como servidor da minha Casa, que não quero privar-me deles.

Andrés Lamas, embaixador do Uruguai no Brasil, possuía belos rosais em Petrópolis. O Imperador ia procurá-lo pela manhã, entre as roseiras, com o pretexto de jardinar. E ambos, com grandes chapéus de palha, removiam a terra enquanto falavam de poesia ou da política do Rio da Prata.

Em 1871, D. Pedro II foi o primeiro governante estrangeiro a visitar Paris, depois das atrocidades da comuna, que deixaram a cidade em ruínas. O governo francês se instalara em Versalhes, aonde D. Pedro foi fazer uma visita oficial ao presidente Adolphe Thiers, que conhecia o gosto de D. Pedro pelo estudo da antiguidade. No Petit Trianon, ao cumprimentá-lo, Thiers exclamou:
— Infelizmente, Vossa Majestade tem aqui muitas ruínas para visitar!
— Já visitei todas elas!

Durante a sua primeira viagem à Europa, D. Pedro II foi procurado pelo ministro americano Robert Schenck, para pedir-lhe a arbitragem na questão do Alabama, em que funcionaria como alto juiz. O Imperador escusou-se:
— Não, senhor. Aqui eu não sou Imperador, mas um cidadão que viaja.
O diplomata insistiu, mostrando que D. Pedro poderia escrever sobre o assunto para o Brasil. Mas este foi peremptório:
— Aqui eu não escrevo cartas sobre negócios, e não pretendo mudar de hábitos.


De pequenos e grandes, as homenagens ao nosso Imperador

Em 1888, quando estava em convalescença no interior da França, o Imperador foi visitar a capela de S. Cassiano. Foi recebido pelo ancião frei Luiz de Gonzaga, guardião da capela. Ao se despedir, disse-lhe o religioso:
— Creio ter tido a honra de falar ao Imperador do Brasil. Será exato?
— Por que me faz a pergunta?
— Porque o Imperador do Brasil é muito conhecido aqui, e me haviam dito que é um homem alto, de barba branca e muito bondoso. Com essas explicações, julgo ser o Imperador que aqui está. Disseram-me também que ele esteve doente, e aqui veio convalescer. Tenho sempre rezado por ele.
— Muito e muito obrigado, frei Gonzaga – respondeu comovido o Imperador.

Para prestar homenagem ao Imperador, que iria visitar a exposição de Florença, o professor De Gubernatis determinou que uma banda de música fosse posta à entrada principal, no dia da visita, com o encargo de saudá-lo com o Hino Imperial Brasileiro. Para que o chefe da banda não se enganasse quanto à pessoa a quem deveria homenagear, descreveu-o como um personagem alto, respeitável, de longas barbas brancas.
Aconteceu, no entanto, que o Imperador, para melhor e mais desembaraçadamente apreciar a exposição, chegou antes da hora, entrando por uma porta lateral. E percorreu-a sozinho, a pé, passando facilmente despercebido no meio dos muitos visitantes. Não teve por isso o seu hino. Mais tarde, encontrando-se com De Gubernatis na exposição, perguntou-lhe:
— Explique-me uma coisa, meu caro professor: por que é que de quando em quando ouço tocar lá fora o hino do meu País?
Um pouco confuso, o professor explicou-lhe a projetada homenagem. Mas, como chegaram vários personagens que correspondiam à descrição, o chefe da banda, com medo de enganar-se, resolvera receber cada um ao som do hino brasileiro. De forma que a única barba branca que não tivera o seu hino fora justamente a do Imperador do Brasil.

Na véspera do dia em que D. Pedro II devia ser recebido no Eliseu, o presidente francês Adolphe Thiers verificou, apreensivo, que não se tinha a menor idéia sobre o que podia ser o hino brasileiro. Chamou às pressas Gobineau, ex-embaixador francês no Brasil.
— O hino brasileiro? Ora essa! Certamente que há um hino brasileiro. Talvez eu possa reconhecê-lo. Mas lembrar-me, nunca.
Impossível receber o Imperador sem o seu hino. Acompanhado de Madame Thiers, Gobineau põe-se a campo. É uma corrida louca através de Paris, por todos os comerciantes de música. Mas ninguém conhece o hino. Enfim, em casa de Durand, descobrem-se umas músicas que vieram lá de longe. Gobineau não sabe ler uma partitura, e corre então para a casa de uma amiga, Lady Blunt, que se põe ao piano e a toca. Bravos! Gobineau confirma que era, sem dúvida, o hino brasileiro, e o leva triunfalmente ao Eliseu. A banda da Guarda Republicana passa a noite a orquestrá-lo, e no dia seguinte a honra da república estava salva.

No exílio, em 1890, alguém disse ao Imperador:
— Acabo de ler nos jornais que Rui Barbosa, num elogio a Deodoro, comparou-o a Washington.
— Verdade? Todos poderiam ter feito semelhante paralelo, menos esse, que sabe tão bem História e conhece as coisas do Brasil.
— E quem mais se assemelha a Washington do que Vossa Majestade?
— Oh! Não, não! Washington é um dos maiores homens da História. Um só ponto nos aproxima um do outro: o amor da pátria. Ele dos seus Estados Unidos, eu do meu Brasil.
— Pois a História colocará as duas figuras no mesmo pedestal, reconhecendo maiores virtudes talvez na brasileira, para orgulho nosso.
— Não diga isso. Arrasta-o o ardor da imaginação.
— A Washington, senhor, faltou a apoteose do infortúnio. Sempre um feliz. Os seus predicados jamais foram submetidos à contra-prova dos reveses pessoais. Viveu à luz de benigna sorte. Nunca perdeu filhos queridos. Educado por mãe extremosíssima, mulher superior que o viu ascender à chefia da sua nação e morreu em avançada idade. Extraordinários, na verdade, são os seus serviços, porém mais extraordinário ainda o reconhecimento dos seus concidadãos para com ele. Rico, adorado dos contemporâneos, Washington não tragou o fel das ingratidões e das injustiças. Não se viu expelido do solo natal pela soldadesca, como um bandido, após cinqüenta anos de honesto governo.
O Imperador ouvia pensativo, abanando de leve a cabeça. No fim, murmurou apenas, com melancolia:
— Na verdade, eu não conheci minha mãe. Tinha menos de um ano quando ela expirou...


Sem a vaidade da posição, gestos simples do Imperador

D. Pedro II gostava de caminhar pelas ruas do Rio, como simples transeunte. Certo dia ele se encontrou com um negro, que manifestamente não desejava fazer o esforço de ceder passagem. Muito tranqüilamente, desceu do passeio e seguiu caminho. O secretário, que o acompanhava, disse:
— Como Vossa Majestade pode se rebaixar assim diante de um negro?
— Se eu não aproveito a ocasião para lhe ensinar algo de educação, quem é que o fará?

Com freqüência o Imperador visitava as oficinas de máquinas e estaleiros do Arsenal de Marinha. Numa dessas visitas, procurou pelo tenente José Carlos de Carvalho, e foi informado de que se encontrava trabalhando nas caldeiras. Lá chegando, estendeu a mão ao tenente, que o cumprimentou, mas logo se desconcertou por ter sujado a mão de D. Pedro, e pediu uma bacia com água e uma toalha. O Imperador disse:
— Não precisa. É a melhor lembrança que posso levar da visita de hoje, onde encontro o tenente Carvalho com a blusa de operário das oficinas deste arsenal.

Descendo a pé uma das alamedas internas da sua Quinta de São Cristóvão, D. Pedro II viu de longe alguns garotos trepados nos galhos das árvores, para furtarem frutas do pomar imperial. Sem dizer nada, deu meia-volta e tomou um outro caminho bem mais longo. O secretário que o acompanhava perguntou:
— Esqueceu alguma coisa, meu senhor?
— Não. Vou dar volta por ali. Se eu prosseguisse por este lado, aqueles meninos ficariam amedrontados, e poderiam jogar-se das árvores e machucar-se. É preferível andarmos um pouco mais.

Nos Estados Unidos, Dom Pedro II foi a sós ao monumento Bunker Hill. Levantando-se cedo, como de costume, chegou às 6 horas, acordou o vigia e pediu permissão para entrar. Demonstrando muito pouco entusiasmo a essa hora da manhã, o vigia cobrou:
— São cinqüenta centavos a entrada.
Dom Pedro não tinha dinheiro, que ficava com o mordomo. Mas recorreu a um empréstimo do cocheiro da carruagem que o trouxera, pagou a entrada, inscreveu seu nome no livro de visitantes e entrou.
À tarde do mesmo dia, o historiador Richard Frothingham também compareceu ao monumento, inscrevendo seu nome na mesma página. Olhando para as assinaturas acima da sua, reconheceu a de Dom Pedro e disse:
— Vejo que você teve aqui o Imperador do Brasil.
— Aquele velho que não tinha um níquel?! Não me deixo enganar por um sujeito que não tem dinheiro nem para pagar uma entrada!


Amenidade e cortesia em ditos de ocasião

Visitando o Colégio Nossa Senhora do Patrocínio, em Itu, em 1888, D. Pedro II e a Imperatriz Teresa Cristina tiveram uma brilhante recepção. No pátio, as alunas perfiladas e uniformizadas fizeram ao casal imperial as três reverências de estilo, provocando esta exclamação do Imperador:
— Oh! Tal como na Europa. Um imenso trigal balançando suas espigas ao sopro da brisa.

O professor norte-americano David Todd mostrava a D. Pedro II um novo instrumento do observatório, no qual havia um espelho rotativo que dava não sei quantas voltas por minuto. D. Pedro comentou:
— Quase tantas como numa república sul-americana.

Em visita de D. Pedro II ao escritor Whittier, em Boston, este perguntou o que mais lhe agradara na cidade. D. Pedro explicou que estava sempre à procura de idéias novas, e acrescentou:
— O senhor sabe, eu sou doutor em doenças do Estado...

Em uma viagem do Imperador a Campos, o abolicionista José do Patrocínio torceu o pé, ao subir para o vagão imperial, e D. Pedro II correu a ele, indagando sobre seu estado. Quando se certificou de que não era grave o acidente, disse-lhe risonho:
— O Sr. Patrocínio parece que não pisou no carro da Monarquia com o pé direito.

D. Pedro II, em São Paulo, entrou com sua comitiva numa câmara frigorífica, onde a temperatura era de cinco graus abaixo de zero. O senador Marquês de Paranaguá ficou de fora, aguardando. Ao sair, e notando a posição desse membro do Senado – instituição que o espírito popular denominava “Sibéria” – o Imperador gracejou:
— Oh! Nem me lembrava de que o senhor está à prova de temperatura mais fria...

Em Petrópolis, D. Pedro II encontrou-se na rua com o Barão de São Victor, negociante português. Perguntado pela esposa, este lhe afirmou que ela ficara em casa, mas logo depois viu-a passar diante deles. E comentou em francês:
— Souvent femme varie...
— Onde se escreveu esta frase?
O Barão não sabia, e logo D. Pedro completou:
— Francisco I a escreveu numa janela.

Nos últimos dias da guerra contra Rosas, com suas atrocidades e execuções, D. Pedro II pediu a Andrés Lamas, em Petrópolis, notícias do Rio de Janeiro.
— Morre-se de febre amarela...
— Que quer! Nem todos têm a mesma sorte, de morrer degolados...

Frei Fidelis d’Avola insistiu com D. Pedro II para que permitisse a reabertura do noviciado no convento de Santo Antonio. Um tanto jocosamente, D. Pedro argumentou:
— Qual! A época dos frades já passou!
— Majestade, não diga assim, porque andam também dizendo por aí que já passou o tempo das cabeças coroadas...


No limiar da guerra, um pouco da vida de caserna

Ao se iniciar a guerra do Paraguai, o Imperador foi a Uruguaiana, a fim de conferenciar com os presidentes dos países aliados. Ao longo das estradas precárias daqueles tempos, em veículos desprovidos de qualquer conforto, a comitiva de D. Pedro II deslocava-se como podia, sujeita ao mau tempo e a imprevistos. O Conde d’Eu narrou essa viagem em um livro, onde escreveu:
“Certo dia, de chuva torrencial e continuada, a comitiva lutou horas seguidas para poder ir adiante. Opunham-se-lhe todas as dificuldades: os caminhos encharcados, quase intransitáveis; o frio, o vento, o nevoeiro, que mal deixava ver cinco passos adiante; e, sobretudo, aquela maldita chuva, cada vez mais inclemente, cada vez mais copiosa!
De repente, no mais forte do temporal, a comitiva sentiu que estava desnorteada. Perdera-se naqueles campos sem fim, onde tudo se confundia: solo, horizonte, céu... Na região circunvizinha, nem o menor sinal de vida. Parar? Era impossível! Prosseguir? Mas em que direção? Procurou-se o capitão Morais, a única pessoa que conhecia a região. Mas onde estava o capitão Morais? Tinha ficado para trás, com todas as viaturas.
O momento era realmente de consternação geral. Pouco depois, porém, começa a aparecer um luar de esperança. Descobriu-se à direita, a pequena distância, uma sombra que parecia uma casa. Caminhou-se um pouco mais e a sombra precisou-se: era de fato uma casa.
Para lá nos dirigimos, e foi com indizível alegria que nos apeamos e nos abrigamos da água do céu. A casa era habitada por uma viúva e suas três filhas, uma das quais, casada, tinha o marido na guerra. Não possuía a família senão duas pobres camas e três compartimentos, aos quais era impossível dar-se o nome de quartos. Em um deles estavam pendurados a uma corda, em todo o seu comprimento, pedaços de um boi morto na véspera. Como era o quarto mais espaçoso, nele nos alojamos, à espera de que a chegada dos carros nos permitisse mudar de botas. E cada um se pôs a fazer considerações mais ou menos filosóficas sobre o resultado pouco brilhante da jornada.
Às quatro horas apareciam os carros tão ardentemente desejados. Mas, ai! Se as pernas iam ter com que se enxugar, os estômagos ficavam logrados: o carro que trazia o jantar quebrara-se, e todos os alimentos se haviam espalhado pelo charco. Tínhamos pois de aceitar com reconhecimento a carne de vaca meio assada, que a dona da casa nos trazia espetada num pau. O general Cabral apoderou-se dela, e distribuía os bocados que ia cortando com uma faca. A operação podia ser suja, mas, realmente, o sabor era excelente.
No dia seguinte, a situação não era mais promissora. Passa-se o dia nas carretilhas. Almoça-se churrasco, porque das carretas que trazem a cozinha e os cozinheiros não há vestígio. Para o jantar, a boa dona da casa encontra meio de acrescentar ao churrasco uma galinha cozida e uma tigela de pirão, massa de farinha de mandioca, sem sal, que eu acho sem sabor, mas que o Imperador declara deliciosa.
Enfim, pela madrugada do outro dia, a chuva cessou de cair. Horas depois apareceu o sol, que foi recebido com uma alegria geral e comunicativa. E, como afinal haviam chegado as carretas tidas como perdidas, a comitiva tocou novamente a marchar, para a frente, sempre para a frente”.

“A comitiva do Imperador, nas proximidades de São Gabriel, desviou-se para visitar o campo onde se dera, trinta e três anos antes, a batalha de Ituzaingó. Apenas duas cruzes toscas, de madeira, assinalavam o antigo campo de luta.
O general Cabral, que participara da batalha, tomou a iniciativa de explicar ao Imperador o seu desenrolar. Natureza exaltada, pouco simpático aos rio-grandenses, Cabral atribuía todo o insucesso do combate à cavalaria dos gaúchos, que na sua opinião se comportara desordenada e ineficientemente.
Nessa altura de seu discurso, o Barão de Saicam, ali também presente, saiu em defesa da honra da cavalaria rio-grandense. Para ele, o resultado pouco brilhante da batalha deveu-se à imperícia de Barbacena e do seu estado-maior. Acendeu-se entre os dois uma acalorada controvérsia. A tal ponto se embrulhou, que por fim já nem sequer sabíamos qual fora o ribeiro do campo de batalha, nem de que direção tinham vindo os dois exércitos. O Imperador, paciente, tolerante, sorria calado, um tanto cético, em meio a esse terrível combate verbal”.

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